terça-feira, 29 de julho de 2014

Coerência

Coerência precisa-se!
António José Seguro, há dois dias atrás, em campanha eleitoral, revelou estar confiante na vitória nas primárias frente a Costa e nas legislativas, frente a Passos. O raciocínio parece evidente. Se derrotar Costa, apresentar-se-á frente a Passos. Se não derrotar Costa está feito ao bife e tem de procurar outro destino. Logo, o seu combate decisivo é com Costa e seus apaniguados. Para derrotar Costa terá de ter muita imaginação e sobretudo ser coerente. A coerência é talvez o valor mais importante que um político deve apresentar. 
Terá de dizer, em primeiro lugar, a Costa que é coerente, ao contrário dele que é incoerente. Coerente porque fiel ao partido, ao contrário de Costa que foi incoerente em relação ao historial do partido socialista - nenhum candidato a secretário-geral traiu até agora o seu secretário-geral em funções, e Costa fê-lo, como disse recentemente João Soares que, aqui, deu uma ensaboadela no pai, acusando-o de passar por cima de tudo e de todos, o que revela o estado de fraqueza geral que vem patenteando neste tempos que são os últimos.
Terá de dizer, em segundo lugar a Costa que não anda a reboque de ninguém, como o faz Costa que anda a reboque de Pacheco Pereira, Mário Soares, os 25 ex-fundadores do partido socialista, muitos deles peritos na arte de bem cavalgar a onda do oportunismo e das novas oportunidades, os sete ou oito ex-presidentes da juventude socialista, e tantos outros feitos com o passado recente do socratismo e que agora já estão de garras afiadas a deitar à presa, só porque os anima a sede devoradora do poder, a sede insaciável de tudo dominar e nada repartir, como os grandes açambarcadores de tachos e empregos vários no setor do Estado, nas fundações, nos institutos públicos, nos conselhos gerais e assembleias gerais dos bancos, das seguradoras, enfim, um rol infindo de oportunidades para acumular cargos e funções, a troco de uns subsídios mais ou menos certos nas suas contas bancárias, de umas avenças semanais em programas de televisão onde são comentadores, enfim, de dinheiro que, devendo ser repartido por jovens licenciados que aspiravam a entrar na vida activa, se veem relegados para segundo plano, engrossando o contigente de desempregados que enxameiam a sociedade portuguesa.
Outra ideia que Seguro terá de cavalgar a toda a sela é aquela que, ao contrário de Costa, não tem telhados de vidro e não está comprometido com situações dúbias, nem fez parte de governos do Ps recente, como o próprio Costa participou. Estamos a referir-nos à participação deste no governo de António Guterres, onde foi ministro de estado e da justiça e onde, logo que tomou posse o governo de Guterres fez 5 mil e tais nomeações, depois de ter apregoado  "no jobs for the boys".
Manuel Feliciano

Comentadores

Comentadores
Marques Mendes, promovido recentemente a grande comentador da SIC, não pára de nos surpreender. Ele e o doutor Mário Soares, continuam iguais a si próprios, duas nulidades exemplares para o anedotário do folclore a que as estações de televisão nos habituaram, de há algum tempo a esta parte.
Marques Mendes, mais conhecido na gíria anedotária por "Ganda Nóia", - há quem o apelide de "o bufo" do Governo da Coligação - figura rasteira e, nalguns casos, mesquinha, a atestar um QI de duvidosa idoneidade, disse há dias, em tempo nobre de antena, que "António Costa irá ganhar as eleições no PS".
Que novidade extraordinária! Que subtileza de argumentação! Que rasgo luminoso de espírito tão brilhante!
Enquanto as televisões continuarem a aureolar este e outros comentadores do regime, Portugal não vai aguentar por mais tempo tanta sabedoria e terá forçosamente que os exportar, pois tamanha inteligência é urgente que se espalhe pelo mundo, que ilumine as trevas da ignorância de tantos povos, enfim, que resplandeça por todo o orbe esta sabedoria fantástica e inaudita! Se começarmos a exportar estes comentadores fantásticos que transpiram sabedoria por todos os poros, como por exemplo aquele quarteto impagável do programa da Sic notícias,"Eixo do mal", qual deles o mais inteligente e sagaz, temos resolvido o nosso problema estrutural da dívida pública. Aqui fica portanto esta sugestão para os entendidos do Banco de Portugal ou do Ministério das finanças: dado que possuímos o maior manancial de comentadores excepcionais por metro quadrado de toda a europa, quiçá de todo o mundo, a solução parece definitivamente encontrada - vendam-se estas "jóias da coroa portuguesa" e tudo deslizará sobre carris.
Estou a lembrar-me, não apenas destas quatro luminárias do nosso regime - o António Gonçalves, do DN, é que vos topa bem! - mas de tantos outros como o André Macedo, do Dinheiro Vivo, o tal que na última campanha para as legislativas dizia sempre, alto e bom som, que o vencedor de todos os debates televisivos era - quem havia de ser? - o seu querido e indefectível José Sócrates. Se a estes juntarmos o famosíssimo Baldaia - lembram-se do tempo em que o ex-primeiro ministro socialista queria apoderar-se da TVI e já se falava de Baldaia para ser o seu homem forte aí - e tantos outros desejosos do regresso do pequeno ditador, exilado em Paris, onde dá um bitaites para uma farmacêutica suiça, então podemos dizer que há uma constelação fantástica de comentadores, pagos a peso de ouro, como Marcelo, - cuja ligação de amizade a Salgado parece comprometer definitivamente a sua candidatura à presidência da república (também não entendo o que poderia Marcelo fazer aí, se todo o seu carisma vai para a má língua, no bom sentido, claro), como Manuela, como Marques Mendes, Pacheco Pereira e tantos outros que, no fundo, mantêm o país refém da sua agenda mediática e dos seus desígnios insondáveis (vá-se lá saber quais!?).
Manuel Feliciano



sábado, 26 de julho de 2014

Conspiratio

CONSPIRAÇÃO
Há muito, muito tempo que se adivinhava isto. Desde que Pacheco Pereira perdeu o juízo e decidiu, por sua conta e risco, banir do mapa Passos Coelho, valendo-se para isso da importante cobertura que detém na comunicação social - veja-se o tempo de antena de que dispõe na Sic notícias, para não falar do jornal Público e outros cuja leitura dispenso, voluntária e energicamente, já que entendo que o pseudo-intelectual de esquerda (convertido ao cavaquismo nos anos oitenta, assim como outros, oriundos do estalinismo mais empedernido, como Zita Seabra e Silva Marques), não passa afinal de um ressabiado do mais puro jacobinismo que destila um ódio de estimação superlativo, que há muito não víamos na sociedade portuguesa. Pois, continuando, desde que Pacheco Pereira se arvorou em lídimo defensor da social democracia para a contrapor a Passos, como o máximo defensor do neoliberalismo e dos valores retrógados do post modernismo, que não cessa de, a tempo e a contratempo, o apelidar de coveiro de Portugal e dos portugueses, augurando-lhe um destino trágico e catastrófico nas próximas eleições legislativas. 
Não foi por acaso, que na noite das últimas eleições para o Parlamento europeu desafiou, no seu afã de destronar o jovem iniciado e primeiro-ministro, desafiou António Costa a avançar para destronar Seguro, ao mesmo tempo que na Fundação Soares, este, com Paulo campos e Vitor Ramalho, entre outros, propunham o atual presidente da Câmara de Lisboa, para candidato a líder socialista. É claro que Costa, entusiasmado pelo convite de tanta sumidade e clarividência, disse logo que sim e instalou-se o caos no partido mais expressivo da velha esquerda na oposição.
Por outro, Pacheco Pereira, como certamente não tem mais nada que fazer que dedicar-se as estas questões, já tinha imaginado, cogitado, arquitetado, uma saída à medida da sua mente brilhante, para a sucessão de Passos, indicando, desde logo, e sem hesitações, o ex-autarca do Porto, Rui Rio, agora regressado à sua função de docente na sua Faculdade de Economia. O mesmo se diga de António Capucho, outro dissidente do actual Psd, mais familiarizado ultimamente com figuras gradas do partido socialista do que com gente próxima do presidente do seu ex-partido. Estou em crer que podem os dois enviar uma embaixada, como a do rei D. Manuel ao Papa, que Rui Rio não só não lhes fará a vontade, como nunca enveredará por qualquer acto de traição semelhante à que António Costa fez em relação a António José Seguro. É que Rio é daqueles que ainda prezam o sentido de honra e de dever, o que não existe lá para os lados da arregimentada conspiração socialistazinha, onde pontificam os Césares, os Coelhos, os Campos, os 25 ex-fundadores do partido, com Mário Soares à frente - uma nota de grande dignidade para o seu filho, João Soares que se demarcou sem hesitação da posição do pai, a quem disse, eufemisticamente, que era um disparate total, aquele texto sobre o punho no ar e os que agora têm medo de tratar os outros por camaradas - , os 8 ex-presidentes da juventude socialista, os ex-"quadros" das empresas públicas, que espreitam, agora, atrelando-se a Costa,  a sua oportunidadezinha de ganharem mais uns tachos, uns subsidiozinhos, uns suplementos, um lugarzinho no conselho geral de tal empresa, de tal banco, de tal fundação, de tal instituto público, enfim, aqueles que nos mantêm reféns deste sistema podre e inquinado, ao qual o Psd, o Cds e o Pcp não são imunes.
Agora se compreende todo este frenesim à volta dos binómios Seguro-Costa versus Passos-Rio. 
Se fosse por vontade dos comentadores da nossa praça, os tais iluminados, como Marcelo, Pacheco Pereira, Marques Mendes, o ganda nóia, a própria Manuela, teríamos já amanhã um governo de coligação Psd-Ps, mas creio que ainda vai demorar muito tempo até que esse grande desígnio, como ele, Pacheco Pereira gosta de dizer, se torne realidade. 
É confrangedor constatar que há pessoas que ainda não perceberam que o "seu" tempo já passou, já não tem retorno e que é preciso aprender com aquele homenzinho que andava lá pela Judeia a mergulhar as pessoas no rio jordão: "é preciso que eu diminua e Ele cresça, que eu me apague e que Ele sobressaia".
Manuel Feliciano

quarta-feira, 23 de julho de 2014

Irmão Tareco

IRMÃO TARECO
São Francisco de Assis nutria um especial carinho pelas criaturas e, abrangendo-as, pelos animais. Toda a gente já ouviu falar do célebre encontro com o lobo de Gúbio. Para Francisco tudo derivava deste princípio básico e estruturante: somos irmãos de todos os seres vivos porque basicamente todos temos algo em comum: a nossa dependência de Deus. A descoberta do sentido da Paternidade de Deus, torna-nos a todos irmãos, solidários, corresponsáveis neste mundo de todos e para todos. É assim a visão franciscana da vida, a mundividência franciscana. 
Vem isto a propósito da visita do Tareco.
Tareco é o gato de uns familiares próximos que vai estar connosco uns dias. Já tinha estado no ano passado e este ano volta a repetir a façanha. Chegou, ambientou-se, ficou, sem lamúrias nem reprimendas. É verdadeiramente um gato especial. Limpo, asseado, calmo - acho que inteligente e culto - tem passado o tempo numa quieta azáfama alegre e prazenteira de nos observar, cheirar, roçar pelas nossas pernas, como a dizer-nos: "estou aqui a dar-vos o que tenho de melhor - o meu carinho por vós!"
A forma como nos olha e penetra, dá-nos a sensação, por analogia, que estamos noutra dimensão, mais interior, mais espiritual, que apela para algo indizível, talvez inefável.
A sua presença noctívaga pela casa faz-se de um saber estar, um saber comunicar a sua imensa alegria de nos ver por lá, juntos de si. Quando chego, às vezes um pouco tarde, o Tareco lá está à espera e depois rebola-se na sala, pedindo uma carícia, miminhos, numa atitude de encantatória ternura. Agora compreendo como há pessoas que não conseguem viver sem os seus animais e companheiros, prediletos e inseparáveis.
A presença do Tareco entre nós, por outro lado, "obrigou-nos" a mudar para uma atitude mais calma (há mais silêncio, menos gestos precipitados, menos movimentos bruscos, a aproximação deve fazer-se lenta, como se estivéssemos a realizar um filme em câmara lenta, ao ralenti), mais concertada, para evitarmos que se assuste, que fique em pânico ou que reaja abruptamente e se refugie na casa de banho, enroscado num tapete ou arrumadinho numa caixa de sapatos abandonada.
É bom saborearmos estes momentos todos juntos. O nosso filho, Francisco anda excitadíssimo e só precisa de moderar um pouco a sua agitação interior para tirar todo o proveito desta experiência encantadora. A Gisela acha-o um mimo e uma adorável ternura. Eu converti-me franciscanamente ao cântico do irmão Sol e do irmão Tareco.
Leonardo Santos


segunda-feira, 21 de julho de 2014

GANDA NOIA

GANDA NOIA
Marques Mendes, o raquítico comentador nacional que a Sic Notícias consagrou, continua a evidenciar toda a sua paranóia em relação ao governo actual, aproveitando todos os momentos para fazer valer os seus argumentos em relação à desintegração da coligação governativa, não muito dissonante de Alberto João Jardim que acrescentava, há dias, que o Psd iria ter um resultado catastrófico nas eleições legislstivas que se perfilam aí, no próximo ano. 
Olha quem ele é! Que perfil tão jeitoso de político que deveria, a esta hora, estar com os costados a passar férias na prisão, como já o fez Isaltino, há bem pouco tempo e por muito menos. 
Alberto João, líder do Psd Madeira, há montes de anos, é um dos políticos mais tenebrosos, de que há memória em  Portugal.
A sua popularidade, nos últimos tempos, caiu em queda livre, antevendo-se um futuro pouco brilhante para alguém que, detendo o poder durante décadas, não foi capaz de pôr  em prática uma política verdadeiramente dirigida às pessoas, com equidade e sentido de justiça, partilhando o poder, delegando, criando condições para deixar um rasto de humanidade nos serviços que, pelo contrário, sempre controlou as ferro e fogo. Em vez disso, meteu-se em coisas que não devia e, fazendo alarde da sua costela de ditador, desatou a fazer obras e mais obras, de duvidosa necessidade, enchendo a ilha de túneis e mais túneis, descaracterizando a paisagem, numa clara visão chico-espertista de líder, autista e convencido, que olha só para o seu umbigo, ao mesmo tempo que arrota uns bitaites sobre a República que o sustenta e alimenta, queixando-se das interioridades que mais não são do que falácias vazias e atoardas boçais.
Mas regressemos a Marques Mendes. Tenho dificuldade em ver nele, agora catapultado para os píncaros do comentário político, alguém que, com credibilidade, diga alguma coisa de válido e estruturante para a sociedade, que no fundo é o que um comentador de jeito deve fazer. Não se limitar a criticar por criticar, mas apontar balizas, apresentar perspectivas novas que sejam o suporte de algo que se deve implementar e pôr em prática. Ao invés, Marques Mendes, o Ganda Noia,  na gíria humorística, aparece como alguém que, beneficiando de uma posição privilegiada em relação ao comum dos comentadores, por possuir uma "rede de espionagem, dentro e fora do conselho de ministros" - acho mesmo até que há um acordo tácito entre ambos (alguém ligado ao Governo e ele próprio, no sentido das "fugas" servirem para "atirar o barro à parede", isto é, para ver como é que as pessoas reagem perante as medidas que estarão para ser aplicadas) - o que lhe dá aquele ar de bufo, incontornável desta sociedade miserável em que vivemos. A Patrícia Castanheira e o Fábio Benídeo, do Portugalex é que te topam bem!
O que mais me chateia em tudo isto é que sejam precisamente estes comentadores de meia tigela, onde também, de certa maneira, está incluído Marcelo Rebelo de Sousa, Pacheco Pereira, o verrinoso e incansável agitador de fantasmas, e outros que, armando-se em omniscientes detentores da verdade absoluta que só eles possuem - ai que saudades dos tempos estalinistas onde bebera esta filosofia! -  comandam, inapelavelmente, a nossa agenda política. Por que é somos obrigados a aturar esta gente, fabricadora de cenários, que vive no mundo do faz de conta e que cria este mundo do faz de conta? Como diria António Vieira: "Ó tempo, tão precioso e tão perdido!"
Manuel Feliciano

segunda-feira, 14 de julho de 2014

LEITURAS

REDESCOBRIR EÇA
Nos últimos dias de trabalho deste ano letivo, pus-me a reler Eça, mais precisamente "O Mandarim", obra fantástica e fascinante, cheia de preciosidades e de encantamento.
No prólogo, é-nos dado o mote para a reflexão que se pretende inculcar. Dois amigos, dialogam. Diz o primeiro (bebendo conhaque e soda, debaixo de árvores, à beira-de água):
- Camarada,  por estes calores do Estio que embotam a ponta da sagacidade, repousemos do áspero estudo da Realidade humana...
Partamos para os campos do Sonho, vaguear por essas azuladas colinas românticas onde se ergue a torre abandonada do Sobrenatural, e musgos frescos recobrem as ruínas do Idealismo...
Façamos fantasia!...
O outro responde:
- Mas, sobriamente, camarada, parcamente!... E como nas sábias e amáveis alegorias da Renascença, misturando-lhe sempre uma Moralidade discreta... (Eça de Queirós, O Mandarim, Ed. Livros de Brasil, 2003, Lisboa, página 17).
Há dias, querendo mandar um mail a uma colega de profissão, e para o tornar mais interessante, resolvi citar esta passagem, que no fundo, introduz a temática do conto ficcional, em contraposição com o conto realista, assente no estudo da realidade concreta. Mandei a mensagem, mas como não obtivesse retorno, questionei-a sobre se já tinha recebido os três anexos de um trabalho em comum. Mais tarde, na companhia de outras colegas de trabalho, constatei o meu lapso: tinha enviado "tudo", os anexos e o texto queirosiano, para uma outra pessoa que por sinal também se chamava Maria. O que não se riram elas, dos dizeres do mestre da escrita, ao atribuir significados e conotações sui generis, só pelo facto de não estarem dentro do contexto. Valeu a pena o desvio da mensagem, só pelo prazer de rirmos juntos.
Continuemos. Noutra reunião de disciplina, ao ser sugerido, nos cursos profissionais, a abordagem de uma obra de Eça de Queirós no 12º ano, quase todos referiram ou "Os Maias" ou "A cidade e as serras". Eu disparei: 
- E por que não "O Mandarim?"
"Eu chamo-me Teodoro - e fui amanuense do Ministério do Reino.
Nesse tempo, vivia eu à Travessa da Conceição, nº 106, na casa de hóspedes da D. Augusta, a esplêndida D. Augusta, viúva do major Marques. Tinha dois companheiros: o Cabrita, empregado na Administração do Bairro Central, esguio e amarelo como uma tocha de enterro; e o possante, o exuberante tenente Couceiro, grande tocador de viola francesa.
A minha existência era bem equilibrada e suave. Toda a semana, de mangas de lustrina à carteira da minha repartição, ia lançando, numa formosa letra cursiva, sobre o papel "Tojal" do Estado, estas frases fáceis: "Ilmº e Exmº Sr. - Tenho a honra de comunicar a V. Exª... Tenho a honra de passar às mãos de V. Exª..."
Aos domingos repousava: instalava-me então no canapé da sala de jantar, de cachimbo nos dentes, e admirava a D. Augusta, que, em dias de missa, costumava limpar com clara de ovo a caspa do tenente Couceiro. Esta hora, sobretudo no Verão, era deliciosa: pelas janelas meio cerradas penetrava o bafo da soalheira, algum repique distante dos sinos da Conceição Nova e o arrulhar das rolas na varanda; a monótona sussurração das moscas balançava-se sobre a velha cambraia, antigo véu nupcial da Madame Marques, que cobria agora no aparador os pratos de cerejas bicais; pouco a pouco o tenente, envolvido num lençol como um ídolo no seu manto, ia adormecendo, sob a fricção mole das carinhosas mãos da D. Augusta; e ela, arrebitando o dedo mínimo branquinho e papudo, sulcava-lhe as repas lustrosas com o pentezinho dos bichos...
Eu então, enternecido, dizia à deleitosa senhora:
- Ai D. Augusta, que anjo que é!
Ela ria; chama-me enguiço! Eu sorria, sem me escandalizar. "Enguiço" era com efeito o nome que me davam na casa - por eu ser magro, entrar sempre as portas com o pé direito, tremer de ratos, ter à cabeceira da cama uma litografia de Nossa senhora das Dores que pertencera à mamã, e corcovar. Infelizmente corcovo - do muito que verguei o espinhaço, na Universidade, recuando como uma pega assustada diante dos senhores lentes; na repartição, dobrando a fronte ao pó perante os meus diretores-gerais. Esta atitude de resto convém ao bacharel; ela mantém a disciplina num Estado bem organizado; e a mim garantia-me a tranquilidade dos domingos, o uso de alguma roupa branca e vinte mil réis mensais".
Aqui fica este aperitivo para nos deixarmos embrenhar no mundo da escrita maravilhosa de Eça e da sua mundivisão, onde nunca falta o seu grande sentido de ironia, de humor requintado, de crítica social, política e religiosa.
Bom proveito!
Manuel Feliciano

sábado, 12 de julho de 2014

O regime do sistema

O REGIME DO SISTEMA
Este apontamento poderia também intitular-se: "O sistema do regime". Vejamos se nos entendemos. Quando falo em regime do sistema, isto significa que vivemos num regime, que por sinal é um regime democrático, que resulta de eleições livres, mas que assenta naquilo a que chamo de "sistema". E o que é o sistema? O sistema é todo um conjunto de estruturas e de pessoas que se apoderaram do Estado e que o mantêm refém dos interesses dos vários blocos que constituem os partidos que detêm o poder desde o 25 de abril de 1974, viciando assim o próprio regime democrático. 
Podemos dizer que, grosso modo, os partidos que fazem parte do bloco central (PS e PSD) são os principais recrutadores destas pessoas e estruturas que se apoderaram do País, mas também o CDS, que exerce e exerceu funções governativas, não pode ficar de fora desta problemática, nem mesmo o PCP que, igualmente exerceu funções governativas no período imediato ao 25 de Abril de que resultaram também consequências graves para o futuro do País. Em suma, os grandes partidos políticos que governaram ou de alguma forma assumiram funções de chefia nos vários sucessivos governos, são os grandes responsáveis pelo estado de degradação económica, social e ética a que o País chegou, daí resultando consequências gravíssimas para o futuro de Portugal. A vinda da troika exemplifica e explica a situação desastrosa a que Portugal chegou e que parece não ter solução possível, dentro do quadro institucional.
Mas regressemos ao "Sistema". Então o que fizeram"eles" (E nós já definimos quem são eles!)?
Em primeiro lugar tomaram posse como deputados da Nação. Na Assembleia da Republica criaram uma Constituição que, em termos gerais é uma boa Constituição onde os direitos, liberdades e garantias são o ponto forte do regime democrático. No entanto, a par disto foi sendo criada Legislação, na Assembleia da República, que ia subvertendo, a pouco e pouco, o espírito da própria Constituição, legislação essa que revertia a favor dos próprios (deputados, ministros, presidentes da república, juízes e magistrados, cargos de chefia do sector do Estado, etc, que se traduziam em isenções, privilégios, subvenções, mordomias, suplementos, etecetera, de que o comum dos cidadãos está privado, mas que "eles" detêm, ad eternum, para sempre.
Em segundo lugar, os membros do Governo passaram a poder nomear para as empresas públicas e do sector do Estado os gestores, recrutados dos seus ambientes partidários, que, muitos deles, não tinham competência para os cargos, alguns deles teriam eventualmente, mas, ambos, os competentes e os incompetentes, pagos principescamente, chorudamente, escandalosamente, obscenamente, com todas as mordomias de gente rica que não sabe o que é o trabalho e o que custa trabalhar, chegando mesmo a terem prémios de produtividade quando as empresas apresentavam prejuízos astronómicos.
Conforme a sucessão dos governos, estes cargos, das Empresas Públicas iam rodando, ao mesmo tempo que se criavam novos empregos nas Fundações, Institutos Públicos, a fim de alimentarem o clientelismo dos partidos e dos seus amigos, sendo consensual, entre "eles", a rotatividade dos cargos e funções, já que o importante era sacar o máximo, tirar o maior proveito possível das grandes e novas oportunidade surgidas.
Com a cumplicidade de todos os Presidentes da República e dos próprios tribunais (Constitucional, Supremo Tribunal) foi possível acumular vários cargos e funções durante muitos anos, aumentando sempre os vencimentos dos próprios, criando-se um fosso enorme, desigual e injusto entre os da base da pirâmide (ordenado mínimo) e os do topo (vencimentos inacreditáveis, de nível astronómico).
Com a cumplicidade do poder instituído e da supervisão (Banco de Portugal), foi-se agravando a dívida pública, desmoronando a economia, contraindo-se sempre e sempre mais empréstimos ao poder financeiro, fazendo-se contratos (as célebres Parcerias Público-Privadas) ruinosos para o futuro do País.
Ninguém foi julgado, entretanto, por nenhum crime, como se vivêssemos no mundo de Pangloss, o melhor dos mundos possíveis.
Com este "fartar vilanagem", expressão de Eça, e que eu chamo de "sugar até ao tutano o povo português", chegámos aqui e agora, assim, revoltados, angustiados, "comidos" por esta gente que tem o desplante de, depois de tudo o que fizeram, ainda virem com palpites sobre o que é melhor para o País, qual dos dois candidatos do PS é o melhor para tomar conta de Portugal, no post Passos-Portas.
Isto vem a propósito de várias figuras notáveis da nossa praça proporem o dr António Costa para candidato a primeiro-ministro. De entre elas, já me referi ao dr Nuno Godinho de Matos, em apontamento anterior, e hoje referiria, a título de exemplo, o dr Campos e Cunha. Estas e outras luminárias da nossa praça, especialistas na acumulação de cargos em várias instituições diferentes, têm o condão de nos acicatar, de acirrar o nosso ânimo
apetecendo dizer-lhes, como o prégador da Galileia: "Raça de víboras! Sepulcros caiados! Até quando teremos de vos suportar?"
Manuel Feliciano


sexta-feira, 11 de julho de 2014

Não gosto de corruptos.

NÃO GOSTO DE CORRUPTOS!
Toda a gente sabe que não gosto de corruptos, sejam eles da extrema-direita à extrema-esquerda, passando pelo centro, por todas as posições do centro ou do centrão, tudo o que respirar corrupção, eu detesto e abomino. Nada há nada mais execrável e execrando que um político corrupto, seja ele de que família for.
Para muitos - isto de um político fazer uns favores, ceder umas coisitas, receber umas prendas, aceitar umas lembranças, colaborar nuns pequenos desvios, deixar-se levar na onda do favorzito de pequena monta, enfim, desenrascar-se, safar-se, como se diz por aí, em círculo de amigos - parece normal, quase dentro da legalidade, enfim, aceitável em certo sentido, do mal o menos, fecha-se os olhos e tudo desliza sobre carris. 
Para mim, decididamente não!!!
Na vida em sociedade, a legalidade, que resulta de uma decisão democrática e justa, é o que está certo, isto é, é o que se deve fazer, cumprir, executar.
Vem isto a propósito de quê? Da atitude de cada um face à vida, face ao sentido da vida. É claro que cada um tem a sua mundividência, a sua visão do mundo, das coisas, dos outros e, para aqueles que acreditam, a sua visão de Deus. É a partir da mundividência, que cada um tem, que agimos, situados no aqui e agora ou como diria Ortega Y Gasset "l´ombre és l´ombre y su circunstância", " o homem é o homem e a sua circunstância".
Para que não restem quaisquer dúvidas ou ambiguidades, a minha mundividência implica coisas tão simples, de que muita gente tem medo, como a transparência, a integridade ou, por outras palavras, a honestidade. São princípios basilares sem os quais nada pode ser feito. E dentro desta transparência e honestidade, defendo o princípio fundamental do direito ao trabalho e, ao mesmo tempo, refuto aquilo que é muito comuns nos políticos e seus sequazes, isto é, o pluriemprego. Este é um cancro da vida portuguesa que deve ser combatido tenazmente e apenas pode e deve ser tolerado para aqueles que, usufruindo de um salário miserável e ridículo, não têm hipóteses de sobreviver, senão recorrer a um part time ou um segundo emprego. Voltaremos, em breve.
Manuel Feliciano



terça-feira, 8 de julho de 2014

Tu quoque?

TU QUOQUE?
"Tu quoque" é uma expressão latina que significa: "Também tu?..."
E segundo consta, foi utilizada por Júlio César para referir a traição cometida por seu filho adoptivo Brutus.
Há dois dias atrás, António José Seguro, como se não bastasse o que veio a lume a propósito do apoio dos "25 ex-fundadores do Partido Socialista" a António Costa, viu-se confrontado com a posição, esta nova, dos ex-presidentes da juventude socialista, que à excepção de Jamila, lhe terão voltado as costas e preferido o incontornável Costa que, a cada dia que passa vai angariando mais apoios, mais simpatizantes, mesmo que sejam figuras conotadas com o "regime do sistema", como por exemplo o doutor Campos e Cunha, ex-ministro das finanças de Sócrates. Lá iremos, noutra ocasião.
Tudo começou na noite das eleições europeias, quando, reunidos na Fundação Mário Soares, este, Vitor Ramalho, Paulo Campos e outros conspiravam secretamente, criando cenários, como o que veio acontecer com a "célebre vitória de Pirro" de que Mário Soares fez alarde logo no dia seguinte, comentando para a comunicação social.
Ao mesmo tempo, nessa noite eleitoral, Pacheco Pereira, na Quadratura do Círculo, na sua febre incontrolável de derrubar Passos, provocava António Costa desafiando-o a apresentar-se como alternativa a Seguro. 
A partir daqui, é toda uma correria tonta, desenfreada, voraz a ver quem se mete primeiro em bicos de pés para apoiar Costa em detrimento de Seguro. Este, na sua argumentação, ingénua e simples, interroga-se: "que mal fiz eu a Deus para isto me acontecer", "por que carga de água o céu me cai em cima da cabeça?"
Mas estávamos apenas no princípio de uma longa caminhada até à derrocada final. 
Seguro tem legitimidade em argumentar:
Como é que esta gente me quer retirar o tapete, se ganhei duas eleições seguidas?
Como é que esta gente - mesmo até este imberbes caloiros da ex-juventude socialista - tem o desplante, a desilegância e a malvadez de me atraiçoar pelas costas, como o Costa me está a fazer, duma forma cobarde, miserável e cínica?
Não será uma inconstitucionalidade - já agora que se faz tanto apelo à supervisão do Tribunal Constitucional - aquilo que estão a fazer ao secretário-geral do partido socialista, escolhido e eleito por sufrágio, dentro de um partido democraticamente republicano?
Não constitui isto, uma afronta aos princípios da constitucionalidade democrática? E já agora, o que pensam disto os suprassumos da nossa constituição, os Jorges Miranda, os Canotilhos, os mais reputados experts da matéria? Não estará tudo louco, ao ponto de, só e exclusivamente, me quererem deitar abaixo e me arrumarem definitivamente?
É certo que, por força da campanha a que o Costa me obriga, agora tenho ainda de atacar mais o Governo e os seus desmandos, reafirmando as minhas posições, batendo nas mesmas teclas de há alguns meses a esta parte, mas, com franqueza, o que é que eu poderia fazer mais? Não tenho batido, vociferado todos os dias, malhado todos momentos, a tempo e a contra-tempo, contra o Passos e o Portas, uma espécie de Dupont e Dupont já gasta e decrépita? O que é que ainda me falta fazer? 
Será que tenho de me rebaixar ainda mais, de me curvar ao peso do rapapé, da bajulação, da pose de corte imperial, em que se transformou a campanha do António Costa - carradas e carradas de embaixadores, desejosos de cargos e tachos (porque no ar respira-se poder, saliva-se poder e, consequentemente, glória, esplendor, uma atmosfera de incenso e luzes, de comes-e-bebes à custa do zé povinho). 
Por que carga de água é que um presidente de câmara, ainda para mais com algumas situações pouco esclarecidas que convém esclarecer, me quer passar a perna sem motivo, a mim secretário-geral do partido mais representativo da república e da democracia?
Não será tudo isto uma ingratidão? Tu quoque? Também tu Costa?!
Manuel Feliciano






sábado, 5 de julho de 2014

O manifesto dos 25

O MANIFESTO DOS 25.
É verdadeiramente comovente a saga dos notáveis do partido socialista e a sua equidistante isenção democrática em relação ao seu secretário-geral. Agora deram em massacrá-lo diariamente, estornicando-o em banho-maria, num agonizar lento, a fazer lembrar os tempos da torquemada inquisição medieval.
Ora num, ora noutro dia, lá aparecem os gloriosos vultos da notabilidade socialista a empurrar o seu candidato preferido (António Costa), no dizer de uns "mais fiável",  "em melhores condições internas e externas", segundo outros, "mais preparado" no dizer de quase todos, chegando ao ponto de  lisonjear o seu - por pouco tempo - atual secretário-geral, com o epíteto de "o menos preparado e com menos currículo". Esta última sentença, digo eu, de morte, foi proferida por uma das suas mais notáveis figuras do partido, precisamente Nuno Godinho de Matos, advogado, ex-membro do Parlamento desde 1975, ex-secretário e chefe de gabinete do então ministro da Justiça, Salgado Zenha, o tal que chegou também a ministro das Finanças (e que, no dizer do Dr. Cunhal, nessa altura, lhe teria dito em particular que nada percebia de finanças, mas que fora indigitado para o cargo e que o aceitara com o sentido de responsabilidade que o caracterizava). Voltando a Nuno Godinho de Matos, signatário do dito Manifesto dos 25, há ainda uns pormenores curiosos que convém relembrar: para além de Membro da Comissão Nacional de Eleições, cargo de que se demitiu, na sequência da polémica gerada após ter aceite representar Moita flores, candidato do PSD, à Câmara de Oeiras, 
polémica essa com o candidato do PS à mesma Câmara, Marcos Sá que o acusou de incompatibilidade nas funções e que o obrigou a pedir a demissão desse cargo, Nuno Godinho de Matos, para além de ter sido o advogado dos arguidos alemães no processo de venda dos submarinos ao Estado português, acumula ainda uma interessante representação, sendo precisamente o advogado de Armando Vara, no processo Face Oculta, onde, proferiu prodigiosos comentários, à custa de uma subtil comunicação, especialidade que lhe vem de tempos antigos, a par da excepcional experiência que acumulou na transição para a empresa: Uría Menéndez - Proença de Carvalho (uma das mais "conceituadas" sociedades de advogados, o que em linguagem da especialidade significa: uma das empresas preferidas para pronunciar pareceres jurídicos que os governos encomendam há muitos anos e que constitui um dos maiores cancros, associados ao despesismo do estado republicano), para onde foi em 1978. Convém ainda relembrar que o dito fundador do partido socialista, a propósito da polémica das escutas telefónicas, nomeadamente as que envolviam o antigo ex-primeiro, José Sócrates, considerou, e passo a citar o Jornal de Notícias, "inequívoca a resposta do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Noronha de Nascimento, para as destruir". "Surpreendentemente - continua, no mesmo JN de 19 de Nov. de 2012 - , as escutas continuam a não ser destruídas. Isto, tal como já disse (reafirma Godinho  de Matos) é  uma golpe de estado judiciário, sendo um perfeito disparate o argumento de comparar o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, a um Juíz de instrução de qualquer comarca do país". Se Sócrates e Vara fossem inocentes, qual o receio de serem publicadas as suas palavras? Por que é que, em França, o ex-presidente Sarkosy vai a tribunal responder por um crime de tráfico de influências, com base em escutas telefónicas e o ex-primeiro ministro passa incólume no processo das escutas? Quem o defende e porquê? E já agora, por que razão Noronha de Nascimento compareceu na cerimónia de apresentação do livro de Sócrates sobre a "Tortura em regimes democráticos"? E o que dizer do antigo Procurador geral da República, Pinto Monteiro que também compareceu na dita apresentação? Coincidências, demasiadas coincidências! Já perceberam, agora, por que razão Godinho de Matos apoia Costa? 
Manuel Feliciano