quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Um Natal simples

Como de costume, celebrei este Natal em família. Foram momentos bem passados, sem correrias nem prendas excessivas, como manda a prudência e a santa crise que a todos obriga. Perto das onze da noite fui ao convento de Santo António de Varatojo onde estão os frades franciscanos para a Missa do Galo. Presidiu frei Vitor Melícias, atual provincial dos frades observantes (há também os frades ou irmãos capuchinhos e ainda os frades ou irmãos conventuais que se separaram por razões históricas). Na homilia, sonora e ritmada, fazendo lembrar os sermões de antigamente onde ninguém consegue dormir porque a genica e a cadência do orador é espetacularmente agitada e frenética, frei Vitor destacou a singularidade do acontecimento que, na noite brilhante e esplendorosa, espelha a grandeza do Amor de Deus por cada um de nós, aos enviar-nos o Seu Filho para que nos tornemos, isso mesmo, filhos de Deus. E como esta irmandade, de todos, naquele Menino que acaba de nascer, nos faz ser mais solidários e fraternos para com todos os homens, nossos irmãos.
No final da celebração, o guardião do convento convidou toda a gente para tomar uma canjinha, um bolo de rei, uma rabanada ou uma filhós, acompanhada de um tintinho ou vinho do Porto, no refeitório quadrangular mas acolhedor e bem ornamentado, com a simplicidade costumeira dos lugares franciscanos.
Apetecia-me falar-lhes do que não foi dito e que deveria sê-lo: que o texto do evangelho continua intragável com a expressão "não havia lugar para eles na hospedaria" (Lc.2,7). Sobre isto, frei Vitor nada disse e não sei se alguma vez o dirá, preferindo manter-se acomodado no quentinho do trivial. É por isso que acho que vale a pena contestar, contestar saudavelmente, sem maldade e sem ressentimentos, até porque estamos na quadra mais bela do ano, na noite mais calma dos tempos em que toda a natureza e todos os seres vivos se irmanam em adoração ao Deus-Menino que acaba de nascer.
Mas, mesmo assim há que dizer alguma coisa, ainda que dissonante, em relação à tradição.
Quando se diz que "não havia lugar para eles, na hospedaria" (em grego katályma), estamos a traduzir incorretamente esta palavra que também tem o significado de quarto, compartimento, ou seja uma parte especial da casa, à parte ou reservado.
Além disso e subjacente a esta questão está o facto de se descaracterizar o papel relevante de José em todo este processo. José não era um tipo imprevidente e irresponsável.
Aquela história que nos foi contada, e mal contada, do quadro em que Maria e José, depois de mandados embora de vários lados, acabam por se abrigar num estábulo onde o Menino Jesus vem a nascer, não encaixa bem na verdadeira história de José.
Há uns bons anos atrás, estando eu em Lamego, foi-me pedido que ensaiasse um auto de Natal e que o representasse com os jovens franciscanos para a Ordem Terceira Secular. Como nada do que existia me interessasse por aí além, resolvi inventar esta história que vos passo a vós:

"A história do Menino Jesus
Que hoje vamos contar,
É a história mais bonita
Que alguém pode imaginar.

Ela aparece ligada
A Maria e a José
E só pode ser entendida
Como uma história de Fé.

Prestai, então, atenção
Que vamos já começar.
Prestai todos atenção
A esta história de encantar.

José amava Maria
Maria amava José.
José era de Belém,
Maria de Nazaré.

E antes de se casarem,
Maria foi visitada
Pelo anjo Gabriel:

Eu te saúdo, ó Maria!
O Senhor está contigo!
Foste a escolhida de Deus
Para ser o seu abrigo.

Ao ouvir estas palavras,
Maria ficou perturbada.
E perguntava a si mesma
o que aquilo significava.

O anjo continuou:

Não tenhas medo, Maria!
Por Deus foste abençoada.
Ficarás grávida, terás um Filho,
ó Mãe de Jesus, amada!

Então, Maria perguntou:

Eu sou uma rapariga virgem,
Como é que isso pode ser?
O que vão dizer os outros?
O que me vai acontecer?

E o anjo respondeu:

O Espírito Santo sobre ti descerá,
E o Santo de ti nascerá.
Anunciará o Reino dos Céus.
Nada há impossível para Deus!

Então, Maria disse:

O Senhor servirei.
Como Ele quiser, se fará.
Seja como tu dizes,
Tudo se resolverá.

E o anjo retirou-se.

Maria logo acreditou,
No que o anjo lhe dissera,
E foi contar a José,
Tudo o que lhe acontecera.

Andava José pensando,
No que Maria contara,
Quando o mesmo anjo de Deus,
Tudo ali lhe confirmara.

José amava Maria
E tinha muita fé em Deus.
E tudo aquilo aceitou
Como uma dádiva dos Céus.

Passados alguns meses,
José que amava Maria,
Fez com ela uma viagem
Que na história ficaria.

Saindo uma ordem de Roma
Do grande imperador Augusto,
Todos deviam ir dar o nome
Desde o mais pobre ao mais justo.

E foi assim que José
Que tanto amava Maria
Fez essa viagem com ela
Sem pressas e sem agonia.

Não andaram a bater à porta
De qualquer hospedaria.
Essa história não encaixa
Na de José que amava Maria.

Foram os dois para sua casa,
A casa de Belém de José.
E aí aconteceu outra coisa
Que só é possível "ver" com Fé:

As casas daquele tempo,
Não eram como as de agora,
Com quartos e corredores,
Casas de banho e por aí a fora!

Naquele tempo, as casas tinham
Uma grande sala, onde havia:
A um canto o fogão, a outro um armário.
Noutro, esteiras onde se dormia.

E era nessa casa que estavam:
Maria, prestes a dar à luz,
E José, seu marido fiel.
Entretanto, também ali chegaram,
Os parentes de José,
Vindos de todo o Israel.

Então, para não os mandar embora,
Maria e José decidiram
Que os parentes ficavam na sala
E eles se retirariam.

O estábulo dos animais
Foi o local escolhido.
Preparado com muito Amor,
Longe da confusão,
Do barulho, da multidão,
Poderia nascer, assim,
O Menino Salvador
Que nasceu para ti,
Para mim e para todos nós.

José amava Maria,
Maria amava José.

Leonardo Santos.

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