terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Non apropinquare

"A vida e regra dos irmãos menores é esta: observar o evangelho de nosso senhor Jesus Cristo, vivendo em obediência, sem nada próprio e em castidade"(Segunda Regra, 1º, 1).
Desculpem, caros amigos, esta minha "maldade" de hoje. É que fui candidato a franciscano, durante uns bons anos e acho que, verdadeiramente, nunca deixei de o ser. Aliás, quando me questionam qual a escola em que estudei, costumo atirar-lhes: a escola franciscana. Foi esta escola que me formou em valores fundamentais como a fraternidade, a liberdade, o sentido dos outros e abertura para o inédito. Tudo devo a S. Francisco e à visão franciscana da vida, amplamente desenvolvida e sistematizada por Leonardo Coimbra, filósofo e discípulo de Henri Bergson.
A tirada com que iniciei esta reflexão e o título "non apropinquare" (não apropriar-se de...) são daquelas coisas que nunca esquecemos, mesmo que venhamos a ficar amnésicos com o passar do tempo, devorados pela máquina infernal do consumismo nihilizante.
Afora, a questão da castidade - terreno onde nunca me senti convenientemente confortável - e da obediência - onde pressentia uma desconfortável inconveniência, em contraponto com o sentido da liberdade - , o viver sem nada próprio, isto é, ser pobre à maneira do evangelho anunciado por Jesus de Nazaré, aparecia como a saída para algumas das mais inquietantes questões que o ser humano coloca a si próprio, isto é: quem sou, o que faço aqui, o que me é possível esperar?
Leonardo Coimbra conta-nos o exemplo do astrónomo que contempla uma galáxia através do seu telescópio. No intuito de impedir a descoberta de novas possibilidades, a sociedade tenta "suborná-lo" com dinheiro, colocando moedas em cima umas das outras a fim de tapar a lente do instrumento, com que, fascinado, ele observa o "seu mundo, a sua vida".
Que faz, então, o nosso investigador? - questiona Leonardo Coimbra. Nunca tirando os olhos do que está a ver e a saborear, com inaudita excitação, afasta com uma das mãos os obstáculos que o impedem de ver mais longe, de ir mais além, de sentir o prazer da descoberta e o gozo incomensurável da busca do desconhecido: a fraternidade cósmica. 
Somos irmãos de tudo o que existe: do sol, do mar, da água, das estrelas, dos animais. Em nós e neles há uma chama que brilha, uma brisa que afaga, um sopro que anima, chamemos-lhe espírito ou gheist, ou pneuma ou alma, ou lá o que for.
E é isto que nos torna, simultaneamente, os seres mais pequenos da criação e ao mesmo tempo os maiores do universo.
Leonardo Santos

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