Há 39 anos atrás, tinha eu 20 anos, o amanhecer do dia 25 de Abril foi inesperado e festivo. Mais cedo do que o costume, por volta das seis da manhã, acordaram a ala do primeiro piso com murros na porta e frases ritmadas: "Houve uma revolução!", "O regime caiu!" "Liguem os rádios"!
As Laudes que começavam impreterivelmente às sete e meia em ponto, nesse dia, foram mais breves que o habitual. Todos queriam chegar ao refeitório, o mais rapidamente possível, para saberem as novidades. Só o Frei X, homem tarimbado nas missões africanas é que se mostrava mais céptico e desconcertante: "Isto vai acabar mal. Lembrem-se, rapazes, do que eu vos digo: isto, esta revolução, ou lá o que é, só nos vai trazer problemas! Depois não digam que eu não vos avisei!"
Ninguém queria saber do que o pobre do Frei X dizia. Havia no ar um não sei quê de mistério e de suspense mas ao mesmo tempo uma sensação de alívio e de grande esperança.
O doutor Montes, nosso irmão de hábito e secretário da Católica, sugeriu que ficássemos em casa a ouvir as notícias e a aguardar mais detalhes. Por isso, para comemorar a novidade do evento, decidimos fazer um jogo de futebol às dez, no campo do jardim do palácio, entre as duas alas do edifício mais recente: filósofos contra teólogos. O jogo foi disputadíssimo e terminou abruptamente, não pela entrada em jogo de algum pide fugido à turba em polvorosa, mas pela queda aparatosa, em lance de fino recorte técnico, do superior do convento, frei Mário Silva que alinhava pelos teólogos, e que fraturou um braço, tendo que ser assistido no Hospital. A chatice de tudo aquilo foi que, como era o músico da casa, teve de ficar uns tempos sem poder tocar e nos mostrar as últimas criações que vinha produzindo.
Hoje, passados 39 anos, sinto alguma nostalgia desse tempo e recordo alegremente essa madrugada libertadora, mas com a convicção de que os políticos podiam ter feito muito mais pelo país e pelos portugueses, não fora a mesquinhez tacanha e a subserviência canina dos líderes de então aos ideais pseudo-revolucionários e fantasmagóricos do novo regime.
Manuel Feliciano
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